26/10/2012

Reforma Luterana de Martinho Lutero em 1517

   Quando afixou suas 95 teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, na Alemanha, em outubro de 1517, Martinho Lutero não poderia supor que seu protesto contra os rumos que a igreja tomara fosse se desdobrar em transformações tão profundas. O pensamento de Lutero motivou uma revolução dentro da cristandade e influencia o mundo religioso até hoje, passados 450 anos de sua morte. O clamor da reforma protestante por austeridade e fidelidade aos preceitos bíblicos soa mais atual do que nunca. É o legado de um homem que decidiu aliançar-se com sua consciência, mesmo que isso implicasse romper com suas convicções.
   Martinho Lutero nasceu em Eisleben, Alemanha, em 1483, mas cresceu sob influência de Roma. Seu nome era uma homenagem a São Martinho. Filho de camponeses, aprendeu a cultivar devoção e respeito à Santa Sé, sede da poderosa Igreja Romana, expressão máxima do poder na época. Era um tempo em que os hereges - aqueles que ousavam questionar os rígidos dogmas eclesiásticos e as determinações papais - ardiam nas fogueiras da inquisição. O perdão de Deus era alcançado através da compra de indulgências, uma espécie de salvo-conduto monetário para o Reino dos Céus. Dos púlpitos, sacerdotes advertiam o povo sobre o caráter vingativo de um Deus castigador e asseguravam que a salvação só era possível através de penitências e boas obras.
   Foi nesse ambiente que Lutero cresceu e estudou. Tornou-se aluno de uma escola franciscana e mais tarde graduou-se em filosofia, tornando-se um mestre da disciplina. Aprendeu latim, hebraico e grego. Suas fortes inclinações religiosas acabaram levando-o a tornar-se monge.
   Sede espiritual
   A vida sacerdotal de Lutero poderia ter sido igual à de tantos outros religiosos, não tivesse sido profundamente marcada pela leitura da Bíblia. Ele descobriu o Livro Sagrado na biblioteca do convento dos Agostinianos onde vivia. Até então, seu conhecimento das Escrituras resumia-se a fragmentos proferidos nas Igrejas, insuficientes para aplacar sua sede espiritual. O resultado disso é que em 1511, em visita à Roma, começou a achar que nada do que a Igreja e a tradição religiosa ofereciam como caminho para Deus era eficaz. As relíquias veneradas, os lugares sagrados ou as indulgências para diminuir a pena do purgatório pareceram-lhe tentativas fracassadas de alcançar paz interior e comunhão com Deus. "Será que tudo isto é verdade?", questionava-se Lutero, que por sua devoção e inteligência conquistara respeito e admiração, tanto como sacerdote, quanto como professor.
   Seus estudos da Bíblia tornaram-se uma obsessão em busca de respostas. Foi então que encontrou a passagem de Romanos que incendiou sua alma: "O justo viverá pela fé", sentencia a carta do apóstolo Paulo. A partir daí, todos os seus sermões e aulas passaram a conter ensinamentos da Palavra de Deus aplicados à vida das pessoas. Pregava a nova verdade que descobrira, a da justificação pela fé. Seu público crescia cada vez mais, atraído pelo monge que ousava dizer que a salvação não podia ser obtida por obras ou pela compra do perdão de Deus, mas somente pela graça divina.
   Protesto
   A distância entre a realidade da Igreja e os princípios bíblicos que descobrira revoltava Lutero a tal ponto que resolvera protestar publicamente contra os rumos que Roma vinha imprimindo à fé cristã. Em 31 de outubro de 1517, a Igreja do Castelo amanheceu com as 95 teses pregadas à sua porta. Era costume, na época, afixar opiniões para debate em locais públicos para que os interessados tomassem conhecimento do assunto. Certamente, nada do que já fora publicado poderia causar maior polêmica que os escritos de Lutero. Suas teses foram rapidamente divulgadas por toda a Alemanha e caíram como uma bomba em Roma. Nelas, Lutero afirmava a nulidade das indulgências para perdoar pecados e livrar almas da condenação, contestava o poder da Igreja como mediadora entre os fiéis e Deus e assegurava que todo fiel arrependido era remido de seus pecados através da fé em Cristo. Era o início da reforma protestante, o movimento que iria causar a maior cisão da história do cristianismo.
   Lutero pagou caro por desafiar os poderes eclesiásticos. O papa Leão X exigiu sua presença em Roma, de onde certamente não sairia vivo. Autoridades alemãs, contudo, conseguiram que seu caso fosse discutido em seu país, para onde se dirigiram os representantes da Santa Sé. Mas nada fez o Reformador voltar atrás em suas posições. Num ato de desafio, Lutero queimou, na frente de todo o povo, a bula papal que exigia sua retratação. A ruptura definitiva veio em janeiro de 1521, quando o papa decretou sua excomunhão.
   Elo comum
   Por essa época, o ex-monge já não era apenas um religioso idealista, mas tornara-se um líder nacional. O movimento que iniciara espalhou-se por toda a Alemanha, dando espaço a um grande avivamento espiritual. Como o país passou a gozar de mais liberdade para buscar a Deus, surgiram várias comunidades dirigidas por leigos. A Bíblia, traduzida por Lutero para o alemão, tornou-se acessível aos fiéis. "Se permanecerdes com as Escrituras, sereis vitoriosos", exortava-os o Reformador. Iniciou-se um grande movimento em prol da formação de uma igreja nacional, livre do domínio romano. Mas a liberdade religiosa, de fato, só seria concedida em 1555, quando o imperador Fernando reconheceu o protestantismo como um movimento legal e deu autonomia para que cada príncipe decidisse qual seria a religião de seu território.
   Martinho Lutero morreu no dia 18 de fevereiro de 1546, na cidade de Eisleben, aos 62 anos. Suas idéias, contudo, permaneceram. Apesar da oposição e ameaças da inquisição, sua obra espalhou-se pela Europa. O movimento reformista cresceu excepcionalmente em locais como Inglaterra, França, Escócia, Países Baixos e Escandinávia. Séculos mais tarde, missionários oriundos dessas nações levaram o protestantismo à América, África e Ásia. As sementes da Igreja Evangélica mundial estavam lançadas.
   Para o teólogo Walter Altmann, autor do livro Lutero e libertação (Ed. Ática e Sinodal, 1994), os conceitos principais da obra luterana - justificação pela fé e pela graça de Deus, a prevalência das Escrituras Sagradas sobre a tradição e o sacerdócio universal dos crentes – são reconhecidos por todas as denominações protestantes em sua própria tradição histórica, inclusive, e em larga medida, pelo pentecostalismo. O legado de Martinho Lutero é, por isso, o elo a mais - além da fé comum nas doutrinas fundamentais do Evangelho – entre milhões de crentes no mundo inteiro.
Autor: Carlos Fernandes
Fonte: Revista Vinde
Ano 1 - N° 9 - Julho 1996

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